2.4.09

À espera

Existe algo particularmente interessante sobre as garotas muito magras. Sobre o jeito desengonçado como mexem os braços molemente, quase como se não fizessem parte do corpo. Uma impressão de desproporcionalidade que vem da magreza extrema e que não passa de impressão. Mas é bonito.
As pontas dos ossos salientes nos ombros e cotovelos, os joelhos que sempre parecem mais quadrados no meio das longas pernas. Parece, às vezes, que todas as garotas magras de algum modo ondulam ao andar. Mas é bonito.
Quando ela passou com os cabelos exagerada e assim naturalmente lisos, marrados num laço frouxo e fora de centro, foi inevitável não notar os lábios finos. Olhou-me por um instante e voltou a encarar o chão, sem mudar o ritmo das passadas. A alça da blusa escorregou e logo os dedos nodosos apressaram-se em colocá-la de volta no lugar. Eu teria continuado a observá-la, mas outra garota no ponto de ônibus deu um passo à frente e olhei para o outro lado.
Nada de ônibus. A menina se balançava para frente, irrequieta. De fato, esta não era a primeira nem a segunda vez que o fazia nos últimos 15 minutos. Facilitaria pra mim se ela pudesse só avançar em direção à beira da rua caso a linha 11 estivesse chegando. Mas ela suingava, sem objetivo, apesar das minhas observações mentais sobre sua conduta.
A magrela estava agora já longe demais para que pudesse observar as pontas dos ossos se mexendo engraçadas sob a pele esticada. Suspirei.
No ponto de ônibus uma mulher gorda gritou com o filho gordo. Com as pernas abertas para que coxas não se encostassem, ela gesticulava com as mãos pra frente e pra trás. Não sei o que dizia - é uma das vantagens de ter sempre o fone de ouvido com música alta entalado nas orelhas -, mas o moleque não parecia se importar. Continuo batendo com a garrafa de plástico vazia no meio-fio até que a mãe se levantasse - não sem algum esforço - e o puxasse com um beliscão no braço para o espaço a seu lado no banco.
A garota ansiosa balançou de novo e, sem surpresa, não havia nenhum ônibus chegando. Com certeza aquela menina tinha gastrite. Ou algum vício. Além de não parar quieta, batia com o cartão do ônibus na palma da mão. Devia ser um coro irritante, o cartão da sujeita e a garrafa do pirralho. Ainda bem que eu não ouvia nada.
No meu mundo auditivo uma cantora de sotaque engraçado impunha a voz sobre um baixo pesado e uma bateria cheia de pratos. Dava quase para ver uma banda de roqueiros cabeludos batendo cabeça em um palco mal iluminado enquanto um bando de roqueiros cabeludos vestindo camisetas pretas sacode os corpos suados. Éca.
Foi irritante ver o ônibus 11 passar e a menina gástrica não se mexer. Por certo ia pegar o 7, única outra linha que parava ali. Suspirei e aumentei o volume da música. A mulher gorda se fora com seu filho irritante, então ocupei seu lugar no banco. Ao meu lado, um garoto tímido de uniforme escolar sentou tão na pontinha do assento que parecia que ia cair.
Devia ter seus 12 anos, cabelos cacheados e bem escuros, olhos castanhos quase pretos e uns lábios carnudos e ressecados. Ia ser um homem bonito, notava-se. A mochila enorme a suas costas parecia a concha de um caramujo. Acho que todas as crianças em idade escolar têm essa mesma aparência. Ele soltou as alças dos ombros. Vi que me olhou rapidamente de canto de olho. Tornou a fazê-lo. Levantou, pareceu-me que tremia.
- Você é muito bonita - disse, olhando-me nos olhos, e atravessou correndo em frente a um caminhão cegonha que passava.
Chegou morto ao hospital.

em 26.03.2009

24.2.09

Das pessoas que a gente ama

E assim ficou. As mãos enterradas nos bolsos, o olhar perdido no movimento da rua. Dez, quinze minutos. Meia hora, uma hora. Os carros se tornaram escassos, numa travessa duas quadras à direita um poste piscava de forma irritante. Mas, para ele, esse detalhe passou desapercebido.
Notou, mais de hora depois, o silêncio que se fazia. Especificamente, notou o barulho de um carro velho que virou na primeira à esquerda e sumiu com seu efeito Doppler. Foi quando o carro sumiu que ele percebeu o silêncio. Já devia ser tarde. A bem da verdade, já era tarde antes. Um ônibus passou sem parar pela parada. Recortadas contra a luz, três cabeçinhas passaram voando - uma delas, o cobrador.
Sacudiu a cabeça. Percebeu que estava arrepiado, era uma daquelas noites de verão em que uma frente fria qualquer tira os casacos e cobertas leves do armário. Sentou em frente ao computador. Mas não viu a tela, parecia que o monitor estava mais para abajour. Mesmo todo o tempo que passara na janela não refrescara os pensamentos.
Acendeu um cigarro. Tragou fundo. Não é como se ajudasse, sabia que não ajudava. Mas é que já não importava tanto. Sentiu a fumaça entrar e sair. Não conseguia tirar da cabeça aquela pergunta: por que as pessoas que a gente ama não conseguem se sentir amadas?
Às vezes, por ódio ou angústia, a pergunta virava, "por que as pessoas que a gente mais ama não conseguem se sentir pelo menos um pouco amadas?". Mas isso era só um desdobramento óbvio da questão anterior. Não entendia. Não entendia para onde iam os significados dos esforços diários. Não entendia de onde vinha a invisibilidade das coisas que só os outros enxergavam.
Apagou o cigarro com força. Ainda estava quase na metade, mas não fazia diferença. Sacudiu a cabeça novamente. Olhou em volta, sem ver muita coisa. Viu a cama e o travesseiro, o telefone, o celular conectado ao carregador, a mochila no canto em cima de uma cadeira. Teve vontade de chorar, de ligar, de mandar uma mensagem, de abrir uma janela de conversa no MSN, de fugir. Coçou a cabeça.
Pra quê? Pra quem? Ligar pra alguém que não vai entender, ou falar com quem não vai ligar. Escrever algo que não vai fazer sentido, ler uma resposta que parece de alguém que não se importa. Não seria a primeira nem a última vez. E então voltava ao início de todo o raciocínio.
Idéias estúpidas essas que a moral e a ética dos nossos pais nos levam a ter. Liberdade, igualdade, fraternidade, uma mentira na qual queremos desesperadamente acreditar. Gesticulava um novo cigarro aceso. Moldamos nossos atos de uma forma que não faz o menor sentido fora das quatro paredes do nosso pensamento, e depois pensamos que o mundo é que está deformado. Andava em círculos pelo quarto, tragando rapidamente e soltando as fumaça entre as frases. No fim das contas, talvez não é que as pessoas que a gente mais ama não conseguem se sentir pelo menos um pouco amadas, vai ver é a gente que não consegue amar pelo menos um pouco as pessoas que a gente mais ama.
Atirou a ponta do cigarro pela janela. Assistiu a brasa fazer uma parábola, rolar alguns metros no chão e se apagar numa poça d'água próxima a um bueiro. Suspirou.
Deixou os braços penderem ao lado do corpo e caminhou até a cama, onde se deixou cair pesadamente. Suspirou mais uma vez. Tudo o que queria era poder mostrar a ela o quanto a amava. Fazer um desenho de um sorriso lindo, de olhos brilhosos, de um coração que fazia o seu bater da forma que se espera que bata um coração. Tocar uma música sobre como ela era importante e essencial em sua vida. Fazer uma poesia despojada de clichês para explicar o amor tão clássico que sentia.
Com o peso da angústia, suas pálpebras foram fechando. Como lutava para mantê-las abertas lutava para mostrar a ela o que sentia, mas sua luta era nos dois casos vã. Enquanto lutamos mal nasce a manhã, balbuciou. E adormeceu.

em 24.02.2009

30.5.08

Morangos e amores

Morango é um pseudofruto originado de vários ovários de uma mesma flor. É isso que dizia minha professora de biologia, mas na verdade nem sei por que ainda me lembro disso. Morango é bom no inverno, com chocolate. É isso que pensa minha priminha de 12 anos, e como nessa idade ainda é simples ser feliz, eu sempre compro palitinhos de morango com chocolate pra ela. Morango é algo que não deve ser usado em bolos. É isso que acha meu irmão, porque ele não come bolo de morango. Morango é o cheiro do creme hidratante que as duas mulheres-amores da minha vida usavam. Marcas diferentes de creme, cheiros de morango iguais.

Veja bem, não falo só de morangos. Não falo só de cremes de morango comuns. Falo dos cremes de morango que grudam na pele e na roupa da gente, e iniciam uma perseguição inaudível aos nossos desejos mais profundos. Nada pior do que o cheiro dela na minha camisa quando ela não está por perto. E, veja bem, não falo dela ela. Mas falo dela elas. Porque as duas usavam creme de morango. Tenho olfato aguçado. Comida pra mim tanto faz como tanto fez, apesar do vício assumido por chocolate. Amo música, sinceramente, tenho uma estante cheia de CDs e um HD inteiro de mp3. Mas o cheiro me enlouquece. O olfato é o meu sentido mais sensível.

Vou contar a história. Não diga que não quer ouvir, que já entendeu, porque não entendeu nada. Sei que está achando que é paranóia com o maldito cheiro de morango. Acontece que ele está no meu suéter agora, percebe? Consegue sentir? Pois eu podia lavar o suéter agora mesmo e continuaria sentindo. Porque o cheiro está na minha pele. Entende, é uma coisa que é olfato, mas também é meio tato. É subcutâneo. E o que corre por debaixo da minha pele junto com esse cheiro é desejo. Vou contar a história. Resumidamente.

João amava Tereza, que amava Maria, que não amava ninguém. Bom, não foi bem assim que Drummond escreveu, mas minha história vai mais ou menos por aí. Namorei por quase três anos. Não vou entrar em detalhes. Mas foi complicado. Digo, sempre é, não é, mas esse foi complicado. Foi à distância. Foi às escondidas. Foi contra tudo e contra todos. Foi intenso pra felicidades inenarráveis e intenso para desgastes incomparáveis. Aí ela acabou comigo. Meu primeiro grande amor. Partiu meu coração, para usar de mais romantismo, um romantismo quase sertanejo. No deixa disso, camarada, me dá um cigarro, foi foda.

Ela terminou. E parou de falar comigo. Quase completamente. Se aparecia, era pra fazer grosseria. E eu aceitava. Virei um serzinho inexistente. E, na verdade, se eu ainda existia, era uma existenciazinha vil e infame, uma existência rastejante, uma existência quase inexistente de tão humilhada, uma existência transparente e semi-invisível. Corri atrás dela. Não pedi pra voltar, porque não daria certo. Tentei amizade. Tentei ignorá-la, mas foi esforço vão. Para ela, na verdade, não parecia ser esforço nenhum ignorar a minha existência. E cada vez mais eu inexistia. E decaí. Mas não a culpava. Não é que me culpasse também, mas não a culpava. Era imatura, era indecisa, era sem querer, era sem saber, era por não poder. Talvez não fosse nada disso, mas era nisso tudo que eu acreditava. E quanto mais acreditava, mais meu corpo e minha dignidade pareciam enterrar-se no chão. Aquele mesmo chão de onde brotavam os morangos.

Minha Tereza não amava Maria, minha Tereza estava mais pra Maria-que-não-amava-ninguém. Na verdade, amava-me, como percebeu no fim das contas. Mas aí já era um pouco tarde. Minha Tereza era mais alta que eu, loirinha, olhinhos azuis, uma graçinha de garota. Nem um pouco sutil. Um corpo na medida do que eu desejava, um cérebro maior do que eu esperava, uma personalidade mais difícil do que eu imaginava. Minha Tereza morava com os pais, numa cidade do interior. E usava creme de morangos nascidos do chão que agora parecia formar amálgama peculiar com meu corpo.

O fato é que, como os morangos nascem de pequenas sementinhas pretas e inocentes que irrompem do solo úmido, crescem e se tornam esses frutinhos pecaminosos e cheirosos, também eu acabei brotando da lama, afinal. Inesperadamente, depois da última chuva do mês de março. Era o fim da primavera. Não, março não é o fim da primavera. E talvez por isso eu não estivesse esperando aquela última chuva, aquelas últimas gotas que despertaram meus fitohormônios e me fizeram lançar a primeira folhinha verde na direção do sol. Fazia um sol quente naquele dia. Mas o dia era fresco. Excelente clima para o desenvolvimento de um morango.

Foi uma amiga que me apresentou à minha Maria – que na verdade não era a Maria que não amava ninguém. E sem que eu percebesse, quem amava Maria era eu. Não amar de amor, de amor que nasce, cresce e fortifica, amar de amar pueril. Mas era amar. E eu amei Maria sem perceber. E Maria me amou também. Logo na primeira noite, eu diria.

Era a primeira vez que eu amava na primeira noite. Maria também. Mas Maria já amara alguém, antes. E eu também, afinal. E Maria e eu nos amamos até às seis horas da manhã. Sorrimos um sorriso pontual. E depois dormimos. E minhas folhinhas verdes aproveitaram o sol para entrar em atividade ativa e crescer. Logo, logo eu me tornaria um pseudofruto vermelho e grande e pecaminoso. Mas eu não sabia disso ainda. Naquela manhã, depois de dormir e quando finalmente acordamos, eu só conseguia ver que minha folhinha verde quase inexistente agora parecia visível.

Minha Tereza não gostou dessa história de Maria. Maria, Maria, é o som, é a cor, é o suor, é o caramba. Quis-me de volta. Puro e simples assim, queria-me de volta. Percebera que me amava. Que sempre me amara. Sofrera sem mim durante todo aquele tempo, achando que eu ficava melhor sem ela. Mas percebera que não vivia sem mim. Perdera-se na vida, andava bebendo, fumando. Queria-me de volta. Queria-me de volta como a criança quer de volta o sorvete de morando que acaba de cair. Pois eu caíra. Fundo o bastante para me tornar indesejável até no fundo da terra, que me expelira de volta e forçava-me contra a claridade do mundo fora da fossa. A criança simplesmente não pode mais comer o sorvete de morango que cai no chão. E não é certo também que a mãe lhe dê outro. Sorvetes de morango não caem no chão por acaso, há avisos, há sinais. Ninguém pode comer um sorvete de morando sem fazê-lo com todo cuidado, carinho, respeito e atenção. Descuidou, poft, o sorvete cai e aí já era.

Na verdade, no começo, não foi assim tão já era. Eu era um sorvete de morango que podia (e, de fato, muitas vezes queria) pular de volta, limpinho e sem bactérias, em cima da casquinha crocante. Fingir que nunca saíra de lá. Acontece que no caminho de volta do fundo da fossa eu encontrara Maria, e parara a meio caminho antes de subir de volta na casquinha crocante, meio suicida. Parei, repensei. E decidi que não voltaria. Caí ao chão, porque era lá que precisava pôr os pés, criar raízes, tornar-me um morango de verdade.

Mas nada é realmente simples, como tudo em biologia também não é, é tudo de uma complicação inimaginável que só os biólogos entendem - acredito que engenharia e biologia são, na verdade, universos paralelos que competem entre si para dominar o mundo dos reles mortais dessa ingrata e abstratamente palpável área de humanas. Mas eu dizia, nada é realmente simples como parece. Antes de virar morango, precisei ser flor num galhinho leve e frágil, flor que dançava ao sabor do vento sem saber se pendia em direção a minhas novas raízes ainda juvenis, ou se tentava alcançar a casquinha crocante de onde eu caíra enquanto ainda bola de sorvete de morango. Parece engraçado pensar que antes de ser morango fui sorvete de morango. Mas a vida é feita de opostos assim mesmo, não é?

Minha Maria tinha uns dez centímetros a menos que eu, também era loira, um pouquinho acima do peso, um pouquinho a mais de peito, um muito a mais de paixão. Minha Maria tinha feito cirurgia no coração, era menos sensível do que eu imaginava, mais forte do que aparentava, tão inteligente quanto eu esperava. Era doce. Minha Maria morava com os pais, a menos de cinco quilômetros da minha casa. E usava um creme de morangos nascidos do chão que agora parecia me impulsionar ao céu e ao sol.

A cada dia que passava minhas raízes pareciam mais fortes e mais fundas nesse chão. E chegou o momento em que precisei decidir. Queria ainda achar que tinha asas e voar de volta para a casquinha crocante de onde caíra, mas tinha medo de derreter no meio do caminho, ou de me esfacelar como se fosse matéria sólida chegando de volta às mãos da minha Tereza-menina tão descuidada. Mas também queria continuar presa ao solo firme, que a cada dia me alimentava e nutria minhas esperanças de me tornar um morango robusto e pecaminoso. Não me lembro bem das aulas de biologia sobre frutos e pseudofrutos, mas lembro-me das aulas de física, e lembro-me de como a gravidade existia. A gravidade me puxava para o chão firme onde eu me enraizava, e se tinha raízes não podia ter asas, e foi assim que escolhi não voltar para minha Tereza. Não é que escolhi minha Maria, só não escolhi minha Tereza. E o resto, acredito que foi mera força da gravidade e creme de morango.

Minha Maria estava usando creme de morango quando saímos pra jantar aquele dia. Eu senti assim que a abracei, no carro. Quase mudei de idéia sobre que pista da grande avenida tomar. Mas mantive o foco, tínhamos algo a comemorar. O que, exatamente, não importa agora, porque fosse o que fosse fazia parte do que nos tornáramos. Cada dia era um dia a se comemorar. Lembro que comemoramos nosso aniversário de três semanas, eu dei a ela um texto erótico que escrevi, ela me deu uma visita surpresa com cheiro de morango. Mas não vem ao caso agora. Fomos jantar. Ela me deu a mão na entrada do restaurante, e senti meu corpo se arrepiar. Não era tesão - nem ainda, nem puro e simples. Era um arrepio que me fez sorrir, fez meus olhos brilharem.

Sentamos. Pedimos as entradas. Não lembro o que era, mas era bom. Pedimos a bebida, um cabernet sauvignon. Um leve torpor tomava conta da minha cabeça quando a comida chegou. Era um restaurante fino, até caro, mas era uma comemoração e valia a pena. Comemos com prazer, enquanto conversávamos. Ela estava linda naquela noite, e eu podia sentir o cheiro de morango mesmo quando a taça de vinho me estava bem debaixo do nariz. O cheiro de morango tinha ficado em minhas mãos, e sempre que elas iam e vinham, levando o garfo ou o vinho, eu sentia o cheiro aumentar e diminuir. Sentia minha pele se arrepiar, sentia que aqueles morangos cremosos estavam a um passo de tornarem-se pecaminosos. Pedimos a sobremesa. Ela escolheu, como sempre fazia. Ela sempre escolhia. Era morango, é claro. Com chantilly, afinal, para comemorar. Senti meu corpo estremecer, senti a garganta secar. Cada garfada era um pensamento impuro que surgia em minha mente. Cada garfada era um impulso pulsante que me corria freneticamente. Ela sorria e eu sorria, e acho que ela teve a mesma idéia que eu. Pagamos a conta.

Entramos no carro. Dei a partida e ela colocou a mão suavemente na minha perna. Como sempre fazia. O sorriso brincava em seus lábios, e eu entendia. Pensava o mesmo que eu, eu sabia. Nosso destino era rápido e certeiro, meu apartamento vazio, o fim daquela noite de sexta e o sábado inteiro. No elevador nos beijamos loucamente e quis pedi-la em casamento. Não o fiz porque minha boca estava ocupada demais. Meu corpo estava ocupado demais. Não tanto quanto estariam depois. Botões e zíperes, portas e lençóis, suspiros e sensações. Morangos espalhados sobre cada centímetro quadrado do corpo dela que se estendia diante e debaixo de mim, morangos macios, morangos mordíveis, morangos e mais morangos, morangos irresistíveis, morangos carnívoros, morangos reativos, morangos que palpitavam sob os meus dedos, morangos que suspiravam, morangos que cada vez menos cheiravam a morangos, morangos impuros, morangos e desejos, morangos e mais morangos e mais morangos, morangos, morangos!..

Ela dormiu com a cabeça nos meus seios. Sentia sua respiração acompanhando o ritmo do meu coração. Senti os batimentos perderem a pressa. Senti os pulmões dela perderam a pressa. Senti a mão dela pousada levemente na minha barriga. Senti seu cabelo liso brincando entre os meus dedos. Senti o cheirinho de morango que ainda vinha do pescoço dela. Quis de novo pedi-la em casamento, mas ela adormecera. E certa de que ela era minha terra firme, meu porto seguro de onde não mais precisaria me despedir, de onde não mais seria forçada a partir, também eu adormeci.

Quando acordei na manhã seguinte estava sozinha. Onde estava minha Maria? Na cozinha. Minha baixinha cozinheira, só de avental, preparando algo simples pra repor as energias. Tive pensamentos impuros - tenho-os até hoje em situações assim, em todas as situações, acho que fruto de ter-me tornado esse pseudofruto pecaminoso que é o morango. Ela sorriu. E me deu um beijo. E foi cuidar de não me lembro o quê que estava fritando. Eu sentei numa das cadeiras da cozinha, ainda de sutiã e calçinha, e fiquei observando o que fazia. Cada gesto, cada olhar, cada musculozinho que compunha aquele corpo que era só meu, aquele corpo que abrigava uma alma que era só minha. Como a minha era dela. E cada vez que ela sorria um raio de sol entrava pela janela. E eu me sentia a mulher mais feliz do mundo.

Pedi-a em casamento. Não sou boa com essas coisas, sou desajeitada, sou muito poética e pouco clara, sou ridiculamente gaga. Mas ela entendeu. E sorriu. E antes que ela pudesse responder, fui até a gaveta do criado-mudo e lhe trouxe o anel. Fiz como minha mãe ensinou (meu irmão) que deveria ser feito: ajoelhei e falei, "Minha Maria, quer casar comigo?".

Ficamos mais sete anos juntas. Aí um dia, na sessão de cosméticos de uma loja de departamentos, ela estava experimentando um novo creme de morango quando conheceu outra garota. Voltou pra casa diferente. Ficou cantarolando alegremente no banho. À noite, na cama, disse que estava com dor de cabeça.

Quando acordei na manhã seguinte estava sozinha. Minha Maria se fora, desta vez para sempre. Senti-me de novo a bola de sorvete de morango descuidadamente caída ao chão, amalgamando-se a uma terra árida e dura.

Mas sacudi a poeira, afinal. Minha mãe dizia que o tempo minora tudo, e com a idade acho mesmo que a gente aprende a levantar e sacudir a poeira. A criar raízes num chão que é nosso, e não de ninguém mais. Levantei e sacudi a poeira. E joguei fora os cremes de morango que ainda restavam na casa.

Até hoje consigo sentir cheiro de creme de morango a quilômetros de distância. Mas nada de choradeira ou depressão. Não. Tenho boas lembranças. Foram três anos com minha Tereza, e mais três com mais sete anos com minha Maria. E agora era eu que não amava ninguém. Eu era o João, mas não era um Zé-ninguém. Era um morango, afinal e finalmente.

Rápidos e intensos, dizia-me uma amiga sobre os relacionamentos gays. Até que concordo com ela. Mais sobre a parte do intensos, na verdade. (E essa amiga também já está casada há já-perdi-a-conta-de-quantos anos).

Morangos apodrecem rápido. Mas se a gente souber escolher, souber preparar, souber saborear enquanto tem chance, acho que os morangos viram essência sob a pele, viram desejo na ponta dos dedos, viram intensidade no brilho dos olhos e viram gostinho de amor na ponta língua.

Morangos, morangos, morangos.

em apr.27th.2008

12.4.08

Don't Answer

I was just preparing myself to take a nap during the two-hours flight that would take me to what seemed to be the worst Christmas party ever, when this girl came and set next to me. She was out of breath, agitated and kept rolling her eyes as if she was about to faint. But really, I cared more about finishing my glass of water before the flight-attendant came by again, with the bin, and I would finally rest. The girl by my side sighed and ran her long, thin fingers through her blond hair. And shot:
"You are gay, right?"
That did indeed catch my attention. But before I could answer, she went on.
"Well, don't answer. Are you in a relationship? Wait. Don't anwser. If you are not, lucky you; if you are, then my advice is that you break up right away, before it gets ugly. See my case..."
And, yes, with no reply from my side, she started to tell her case. Susan, as I later learnt to be her name, only stopped to ask a drink, which she swallowed in half a second, and moved on. Every once in a while she would run her fingers through her hair again, and more oftenly, play with her watch. An H. Stern one, I noticed. But never stopped talking.
Susan met this girl with a very weird name I can't recall, Weird-name was straight and lived in a small town in the country side, but they ended up falling for each other, and dated for almost a year. With loads of break-ups in between, which Susan was pretty fast to elucidate that were not really break-ups, but Weird-name's way of showing she wasn't happy about something. Weird-name, it seemed to me, had also weird ways of doing stuff. After that year, the girl broke up with my flight fellow, but they kept on with the friendship. Susan admitted, rolling her eyes as if I had said something, that obviously you can keep on being friends with an ex-girlfriend - which she was surprised that, at my age and with the experience she guessed I had I didn't know. I soon noticed that Susan was weird herself. Back to her story, their 'friendship' went on with ups and downs, and this was messing up with Susan's life.
"So at some point, my closest friends invited me for a small dinner, which turned out to be a 'Save Susan' sort of operation, and they sat me down and tried to say what should I do. Of course they knew that despite the whole friendship thing I was still in love with her. So they said I should let it go. But please, was I not trying to do so already? I told them I didn't keep any hope, they insisted I did, and I again said I didn't, and it kept going like that till the point when I simply said, 'yes', just so they would stop insisting. They tried, then, to convince me that I should never speak to her again, or I would never let her go. So I said, 'If you stand in the rain, you rink getting wet'. (It's a saying we have in my place)".
She sighed. And, at last, shut up. Then after a few seconds glazing at the seat right in front of her, she played with her watch again and looked at me. I sensed she was expecting me to say something. And you must understand that Susan was probably in her early 20's, whilst I am already old enough not to say how old I am.
"I said that if you stand in the rain, you risk getting wet...", she repeated, just to confirm my suspicions that I was supposed to make a comment.
"And did you?"
"Yes, I did. Both stand in the rain and get wet. Got soaked. And sank right after it..."
I allowed her the bad joke, but just because she had probably been over this story a million times and I might have been the first one to give her the chance of saying it out loud. I guess she didn't like the way it sounded, cos she tried to fix it saying that she didn't ruin her life, but that she got hurt pretty badly. For a moment she stopped again and sighed, and I did think she was about to sink into her own thoughts, but memory lane still had a few yards to be walked on.
Shaking her head, she took over from the rain point, making a smile as if she was saying, "sorry, you are dying to know how this story ends", and told me how the story ended. Weird-girl kept on with ups and downs, and though she dated loads of people, she freaked out every time Susan slept over anybody's place, or went to anybody's party and things like that. In other words, Weird-girl wanted to live her life, whilst Susan would still play the girlfried. Worst of it is, that Susan did play the girlfriend for a long time. Almost 3 years had gone by since they broke up, and Susan had never kissed anyone else in this time. Then one day Susan is bying the newspaper and who she meets? Pregnant Weird-girl.
"Can you imagine how I felt?", she didn't gime time to even nod, "Do you know how it feels like to wait for a girl for 3 years, a confused girl who says she doens't love you anymore but is jealous about every one you might have the chance to kiss? Don't answer. You don't."
A flight attendant stopped next to us and went to the microfone to communicate that the plane would be landing in about ten minutes, that we should all fasten our seat-belts, and thanked us for flying with that company.
Susan looked at me, smiled, and sank into deep silence. I must confess I was dazzled.
Plane landed and hallways got full of people waiting to take off. Susan didn't make a move, not even looked at me. I didn't know if I should tell her we had already arrived, or if she had something else in mind. I chose for the second one and waited. When the hall ways cleaned up, she quickly stood up and, without even waving good bye, walked quickly towards the door. I got my hand luggage and went the same way. Almost at the end of the tunnel and right before we would get into the airport, she suddunly stopped, came back the few steps she was ahead of me and fired again.
"Do you think it was a mistake to come here looking for her after what she did? Don't answer. Merry Christmas, and say hello to your wife", and she went away with fast, noisy steps.
I'm not married, Susan, - I thought to myself - not anymore... And I rather make a mistake then wonder forever what would have been of my life if only I had tried. Marry Christmas, girl.

24.fev.2008

22.10.07

Construtor do novo universo (ou Carta de suicídio) [tradução]

Gosto da forma como a caneta vermelha parece manchar esse papel. Gosto de pensar na forma como meu sangue há de manchar o chão do estacionamento. Com o tempo, o vermelho ficará mais e mais escuro, e em algum momento as pessoas vão estacionar seus carros e nem vão ver a mancha mais; no máximo, pensarão que é uma mancha de óleo - mas se pensarmos, não é o óleo que mantém o motor funcionando? não é a mesma coisa que poderíamos dizer sobre o sangue?
Minha professora de biologia costumava exaltar as funções e funcionalidades do sangue. Ela era católica, e apesar de nunca ter mencionado nada sobre suas crenças em sala, nós todos notávamos como ela parecia fervorosa quando falava sobre as teorias do 'começo da vida' e exemplificava a Teoria Criacionista católica. Ela nunca falou de Céu ou Inferno quando falava de morte ou corpos mortos.
Eu sempre gostei de imaginar os vermes comendo um corpo morto debaixo da terra, usando cada mísero pedaçinho de alguém que já não é mais para construir um universo totalmente parelelo, um universo sobre o qual pisamos todos os dias e nem nos damos conta. Gosto de pensar que eu serei útil agora. Meu inútil corpo vivo vai ajudar a construir um novo mundo.
Minha mãe costumava dizer que eu e meu irmão éramos parte de uma geração que mudaria o mundo. É claro, com o tempo nós descobrimos que o mundo está sempre mudando, apesar de que sempre me pareceu que gostamos de ir pro lado errado. E, também com o tempo, parece que nos acostumamos ao lado errado.
Mas eu não quero mais ir para o lado errado. Se a vida começou com os vermes, talvez eles provavelmente não deveriam ter pensado em evolução. Talvez eles provavelmente estariam melhor. Melhor ser um verme de verdade do que se sentir um. Melhor ajudar os vermes a fazer a coisa certa dessa vez - acredito que alguns deles perceberam o engano a tempo, formaram um grupo revolucionário e continuaram como vermes pra tentar consertar a coisa toda. Provavelmente o governo evolucionista os deixou pra lá porque não fariam diferença no grande projeto da 'Evolução rumo à Sociedade Humana'. Acredito que eles estavam certos e a revolução nunca saiu realmente do solo.
Nunca fui um revolucionário, é difícil acreditar em revolução, mesmo quando sua mãe diz que ela vai acontecer. O mundo faz você acreditar, em vez disso, em evolução. Isso não tem funcionado comigo até agora. Então de novo eu digo que vou tentar ajudar os caras que parecem estar indo para o lado certo. Minha mãe também sempre repetia que devíamos fazer a coisa certa.
Mãe, isso é o que eu acho que é a coisa certa a fazer. Não fique braba comigo, por favor, não chore sobre o meu caixão. Eu vou construir um mundo melhor. Eu vou estar nas suas memórias, pense em mim como a criança cega e feliz que eu era antes de ver o mundo. Desculpa por te decepcionar, eu vou me enterrar, mas existe uma boa razão pra isso, isso é o meu certo, mãe. Quando papai tiver seus momentos de sanidade, diga a ele que me fui para ser um construtor. Ele vai ficar feliz de saber que seu filho está fazendo um trabalho de homem, que está sendo forte. Você tem que ser forte por nós três, mãe.
Eu não vou ser uma mancha no chão, eu vou ser um construtor debaixo da terra e ajudar a construir um novo universo.

Oct.21st.2007 - traduzido/translated em/in Oct.22nd.2007

Builder of the new universe (or Suicidal letter)

I like the way the red ink seems to stain this paper. I like to think of the way my blood shall stain the parking ground. With time, the red will get darker and darker, and at some point people will park their cars and won't see the stain; at most, they will think it is an oil stain - but if you think, ain't it the oil that keeps the engine working? ain't it the same thing we could say about blood?
My biology teacher used to claim all blood's functions and funcionalities. She was a catholic, and though she never mentioned any of her believes in class, we all noticed how warmer she seemed when she talked about theories of 'begin of life' and exemplified the catholic Creational theory. She never mentioned Heaven or Hell when she spoke of death or dead bodies.
I always liked to imagine the worms eating up a dead body underneath the earth, using every little bit of someone who was not anymore to build another totally parallel universe, one we step on everyday and are not even aware of. I like to think I'll be useful now. My useless live body will help build another world.
My mom used to say me and my brother were part of a generation that would change the world. I mean, with time we got to know that the world is always changing, though it always seemed to me we like to go the wrong way. And also with time, we seem to get used to the wrong way.
But I don't want to go the wrong way anymore. If life began with worms, maybe they probably shouldn't have thought of evolution. They'd probably be better. Better actually be a worm than feel like one. Better help the worms do the right thing this time - I guess some of them noticed the mistake just in time, made a revolutionary group and stayed as worms to try to fix the whole thing up. Probably the evolutionary goverment let them be for they wouldn't make a difference in the huge project of 'Evolution towards Human Society'. I guess they were right and the revolution never actually came out the soil.
I was never a revolutionay, it's hard to believe in revoluiton, even when your mom tells you it's gonna happen. The world makes you rather believe in evolution. That hasn't worked with me so far. So again I say I'm gonna try to help the guys that seem to be going the right way. My mom also kept saying we were meant to do the right thing.
Mom, that's what I think is the right thing to do. Don't get mad at me, please, don't weap over my coffin. I'm gonna build a better world. I'll be in your memories, think of me as the happy, blind kid I was before I could see the world. I'm sorry to let you down, I'm going down, but there's a good reason for that, that is my right, mom. When dad has his moments of sanity, tell him I'm gone away to be builder. He'll be happy to know his son doing a man job, is being strong. You gotta be strong for the three of us, mom.
I'm not gonna be a stain on the ground, I'll be a builder underneath the earth and help building a new universe.

Oct.21st.2007

17.10.07

Ícaro terreno

Mayara morava, desde os 6 anos, no porão da casa de seu padrasto. O pai morrera antes dela nascer, e a mãe, sozinha com uma filha recém nascida, casara-se logo de novo. Mas não soubera escolher bem.
Lord Crapp era avarento e rabugento, só sabia reclamar, não pedia desculpas, por favor, nem agradecia, nem nada. Nos corredores da casa onde moravam, com 8 quartos e 3 empregados, os cochixos sobre a avareza do Lord só cessavam quando o mesmo abria a porta da biblioteca, gritava algumas ordens e voltava a fechá-la.
Não saía muito da biblioteca. A bem da verdade, só o fazia para tomar banho e deitar-se. Tomava o desjejum na biblioteca. Almoçava na biblioteca. Jantava na biblioteca. O quarto era enorme, quase uma Alexandria num cômodo de estantes em mogno. O pó tinha que ser tirado de madugada, pois Lord Crapp não admitia ser interrompido durante o dia em suas leituras
Quando a mae de Mayara morreu, a menina tinha apenas 6 anos. Alegre e cheia de saúde, vivia correndo pela casa. Ela já sabia, desde pequena, que a biblioteca era lugar proibido. Uma tarde, porém, Mayara brincava de esconde-esconde com alguns amigos imaginários e, escondida dentro do armário do escritório, viu quando o criado entrou sorrateiro
Mayara, que além de tudo era muito muito esperta, ficou bem quietinha e assistiu o homem bater com o nó dos dedos nas paredes do escritório. Ela não entendeu o que ele estava fazendo, até que atrás de uma pintura antiga que ele tirou da parede, ela viu uma caixa. Com certeza ele estivera procurando a caixa. A caixa tinha uma fechadura estranha, que ele ficou girando pra um lado e para o outro, até que ela se abriu e de lá a pequena Mayara viu o criado tirar um saco cheio de jóias. Depois disso, ele rapidamente fechou a caixa, recolocou o quadro na posição, e saiu tao silenciosamente quanto entrara.
Mayara logo deduziu o que acontecera, correu para avisar o padastro. Sem bater, abriu a porta da biblioteca gritando, 'mi lord, mi lord! o criado acaba de roubar-lhe as jóias de uma caixa no escritório, aquela que fica atrás do quadro de seu pai!'
O padrasto, furioso, pareceu não ouvir a denúncia da menina e, puxando-a pela orelha, arrastou-a até o porão, trancafiando-a ali. Mayara não entendeu o que acontecia, afinal, não devia ela ter-lhe avisado? Mesmo sem entender, conformou-se ao castigo e acabou adormecendo.
Quando voltou a acordar, encontrou uma pilha de roupas jogada a seu lado. Continuou sem entender. Não ousaria reclamar do castigo, jamais, e se tivesse que ficar mais tempo trancafiada por ser insolente? Assim, ela chamou pelos amigos imaginários, que chegaram ao porão por um túnel secreto, e ali brincou com eles até que a ama apareceu. Atrás dela, o mordomo trazia um baú; atrás dele, o criado ladrão, com a mao decepada embrulhada numa faixa improvisada, trazia o estojo que costumava ficar em cima da penteadeira de Mayara. Ela continuava sem entender. Pra que trazer aquelas coisas para o porão? Seria tão longo assim o castigo?
Ela não queria ficar muito tempo ali, gostava de correr ao sol, subir nas árvores, sentir o cheiro das flores desabrochando na primavera e da terra molhada de chuva e de neve no inverno! O porão era escuro, abafado, úmido, fedido.. e ela nem poderia ver os passarinhos dali, pois não havia janelas!
A criada mandou os rapazes embora e sentou a menina numa banqueta, desarrumou-lhe os cabelos, vestiu-a para dormir e mandou que se deitasse. Daí em diante, Mayara nunca mais viu a luz do sol.
Quando seus amigos imaginários não voltaram mais para brincar com ela, começou a sentir-se só. Aprendera a ler muito cedo, por causa da obcessão do padastro, e então pediu à criada que lhe trouxesse livros, um de cada vez. Pega-los-ia à noite, quando fosse limpar a biblioteca, e os devolveria na noite seguinte. A princípio, a criada ficou com medo e não aceitou o pedido. Mas depois, pensando em sua própria filha que brincava alegre com as crianças da redondeza, pensando em sua falecida ama que casara-se com o Lord apenas para proteger sua filha.. cedeu.
E assim Mayara viveu por 10 anos. Sabia quando era noite ou dia por causa da hora que a criada aparecia. Vinha cedo, quando acabava a faxina, entregava-lhe o livro e voltava com o almoço. À noite, trazia-lhe a janta e pão para a manhã seguinte - Mayara não dormia mais depois que recebia seus livros.
Até que um dia a criada não veio. Mayara achou que acordara cedo demais, tentou voltar a dormir e não conseguiu. Recomeçou a ler o livro que lera no dia anterior, e nada da criada. Achou que não tinha dormido nada, afinal. Não fazia idéia de que horas eram, estava com fome como se já fosse de manhã, era estranho. Não sabia dizer quanto tempo se passara até que a criada finalmente apareceu.
- Mi Lady! Mi Lord está morto!
Mayara espantou-se. Morto? Mas como?
- Foi assassinado!
Mas assassinado por quem, meu deus? Não que o padrastro fosse a pessoa mais amável do mundo, mas um homem que passa o dia trancado na biblioteca, como há de fazer inimigos?
A criada não sabia explicar. Olhou para a menina com os olhos cheios de lágrimas de felicidade e disse que agora ela era dona da fortuna e da própria liberdade. Que aproveitasse pois, estava um dia lindo de verão na rua.
Verão! Mayara não sabia o que era sol, árvores, pássaros, desde.. desde quase sempre! Abraçou a criada e saiu correndo escadas acima, atravessou a casa correndo como se ainda tivesse 6 anos, foi direto para o quintal.
Ah, mas que lindo! flores, flores, flores! As árvores frondosas com as copas verdes, verdes! O céu azul como ela nunca lembrava de ter visto! E o cheiro, da grama molhada do orvalho, das flores, da água do jardineiro!
Olhou o sol e imaginou, pelo que lera, que seriam por volta de 9 da manhã. Tinha muito tempo ainda para aproveitar o sol e a paisagem, lera que no verão o sol nasce às 5 da manhã e se põe só às 10 da noite.
Mas o que é bom dura pouco, e para azar de Mayara, uma onde de calor chegava à região naquela manhã. Mayara não se importou que estava com muito calor, imagine, 10 anos sem estar no sol, é claro que o corpo não estava acostumado. Ao meio dia a criada veio chamá-la para que entrasse, para que se protegesse, acabaria passando mal, estava mais quente que o normal, não era só ela, todos na casa sentiam. Mas Mayara nao lhe deu ouvidos, continuou correndo e brincando.
A certa altura, a criada não quis mais arriscar a própria vida para salvar a menina, afinal, tinha sua prórpia filha pra cuidar! Chamou-a mais uma vez sem ser ouvida e entrou chorando, chamou a menina e foram para um quarto muito úmido da casa, onde poderiam se proteger das altas temperaturas.
A criada nem viu quando, logo em seguida, Mayara reeencontrou seus amigos imaginários. Perguntou-lhes onde haviam estado nos últimos anos, eles disseram que foram para a escola, viajaram, fizeram novos amigos. Mayara ria e ria. O mundo cintilava à luz do sol! Eram 2 da tarde e o excesso de calor já lhe fazia delirar.
Quando, três dias depois, o sol parou de tranformar a região num inferno na terra, a criada encontrou Mayara deitada sob uma árvore, no mesmo vestido rosa com verde-claro que usava na ultima vez em que a vira. Já de longe, pressentiu o que acontecera, mas era presciso checar. Os lábios de Mayara estavam roxo claro, olhos fechados, um sorriso sinceramente feliz no rosto, uma flor branca entre os dedos e a outra mao como se segurasse uma mao invisível..

Oct.17th.2007

4.9.07

Buraco-negro (ou O pingar dos segundos)

Um balde verde no meio da sala. Não verde bandeira nem um verde limão, um meio termo, um verde até bonito. Onze alunos sentados ao redor do balde, em forma de U, no centro em frente uma mesa, em frente o quadro e uma pessoa a quem se convencionou chamar de professor. Todos, incluindo o último, têm cara de tédio.
São quatro mulheres e sete rapazes - porque a matemática ainda funciona. O professor também homem. São quatro janelas no alto da parede lateral, as cortinas meio abertas, as luzes acesas. É dia, quase meio dia.
O balde tem três dedos de água, o piso molhado ao redor. No teto, um pedaço do forro plástico branco faltando. Um buraco negro que parece sugar os pensamentos. O professor repete pela quinta vez que tratará do assunto em aula específica - e segue falando do mesmo. Entremeia as frases com um aviso enfático, "prestem atenção nisso aqui, é muito importante". O buraco negro continua sugando os pensamentos e cuspindo de volta caras de tédio.
Apenas uma caneta escreve, incessante. Mas entediada também, repetindo no rítmo das repetições do professor. No rítmo do tic-tac tic-tac tic-tac do relógio. No rítmo do plic-plac plic-plac plic-plac da caneta ao lado, que não escreve, só abre e fecha, abre e fecha. O relógio parece brincar com os alunos, tictaqueando sem o mexer dos ponteiros.
Barulho dos passos do professor pra um lado e pro outro em frente ao quadro; passos parados e impacientes que marcam os segundos preguiçosos dos alunos; dedos tamborilando; o relógio; a caneta; as cadeiras estalando; respirações desinspiradas. TIC. TAC. TIC. TAC. TIC. TAC.
Três minutos. Os traços da caneta se multiplicam, tentando fugir ao buraco negro, tentando agarrar um tic e pular a um outro tac, aproveitando o embalo quase parado. Dois minutos, o fim da folha se aproxima, a expectativa aumenta, zíperes ecoam, mais barulhos nas cadeiras, a fome se faz notar espreguiçando-se ruidosamente.
Bate o sinal. Acaba a folha. A caneta se cala.

Sep.3rd.2007

18.7.07

Lá (si dó)

Então ele sentava na beira do rio, com a caixinha de fósforos que acabara de comprar, e ficava arremessando os palitos em chamas dentro d'água. Dizia que aquilo o acalmava e distraía. Se cansava de acender os fosfóros pra depois arremessá-los, ficava inventando travessuras - como aquela que todo garoto faz de apoiar o palito na caixinha, com um ângulo empírico, e dar um peteleco para fazer o fogo nascer. Sentado na beira do rio, quando a caixinha de fósforo acabara de esvaziar, ele ficava olhando a fileira de palitos que navegava sem pressa com a correnteza leve da água. Às vezes tinha companhia, companhias, e as fileirinhas de fósforos formavam pequenos caminhos que nenhum deles podia pisar. Era como construir pequenmos sonhos de barro na certeza de que a chuva viria para destrui-los - assim como ela sempre vinha para espalhar os palitos apagados, tirando-os do seu curso natural rumo a sabe-se lá onde. (Que devia ser um lugar bem legal, até, ele pensava, porque o rio corre pra lá, e o vento sopra pra lá - e até as árvores e o canto dos passarinhos se inclinam pra lá.)
E um dia ele foi embora. Não o rio, é claro, que o rio nunca foi de ficar. Mas ele... ele deixou pra trás quase nada, a não ser o rio e o grande amor de uma vida - um daqueles amores de contos de fadas, sabe, apenas sem a parte do felizes para sempre. E ele foi pra lá, pra (sabe-se) lá onde, onde ele poderia encontrar uma grande bacia cheia de palitos de fósforos queimados, que ele identificaria com sendo seus. (Com sorte, talvez eles estivessem amontoadinhos de forma tão organizada que pareceriam uma casa, a morada dos seus sonhos).
É pena mesmo que não tivesse uma caixona cheia de fósforos no fim do rio. Mas ele se conformou com a beleza grandiosa do oceano. Então sentava-se na beira da praia e ficava jogando conchinhas no mar. Não era tão divertido, pensava, por mais que se invente mil maneiras de arremessá-las. As conchinhas sempre afundavam, de forma ou de outra, e ele nem mesmo podia vê-las até a areia lá embaixo - e decepcionava-o um pouco também o fato de saber que elas acabariam enterradas e enterradas e enterradas. Soterradas. Como cadáveres. (O interessante dos palitos de fósforo é que, como não afundavam, podiam continuar para lá, lá o onde o horizonte vira abismo e o oceano deve despencar numa imeeensa catarata - apesar de que ele não sabia ainda que existiam cataratas).
E aí ele pensou em ir pra lá. Mas achou uma puta sacanagem ter que ir tão longe por causa de palitos de fósforos que formavam caminhos calmos na superfície da água. Agoniou-se. Decidiu que faria barquinhos de papel cartão, fortes o suficiente pra que subissem contra a correnteza do rio. Acabou, ele mesmo, destruindo os barquinhos inúteis. Desistiu, então, do oceano, e resolveu, ele mesmo, fazer o caminho de volta, na contramão do rio.
E sentava-se na beira do rio, de novo, com a caixinha de fósforo que voltara a comprar, e distraía-se vendo a fileira de palitos apagados navegar calma rumo ao oceano - de onde, agora ele sabia, os fósforos seguiriam para sabe-se lá onde. No caminho de lá, no entando, numa parte do caminho que ele já não podia ver, o amor de uma vida encontrou os palitos e soube que ele voltara. (Como um amor de um conto de fadas muito bonito, o amor de uma vida foi reencontrá-lo e juntar mais palitos aos dele, para construírem um caminho juntos).
Ainda assim o conto de fadas não foi feliz pra sempre. Foi feliz até que a cidade toda descobriu o amor dos dois e os pais de nenhum dos dois gostaram de ouvir aquela história - a aí o conto, que fora feliz dos 12 aos 15 anos, ficou infeliz dos 15 aos 18, após o que as vacas magras foram pastar em outros pastos e os dois fugiram para além do oceano, trilhando o caminho desenhado por seus palitos de fósforo. Eles ficaram meio decepcionados que no horizonte o oceano não formava catarata coisíssima nenhuma e, do mesmo jeito, ao chegar em outras terras, não havia nenhuma praia de palitinhos de fósforo. (Mas isso só se sabe se sabendo, porque depois que os dois partiram nunca mais ninguém ouviu falar deles. Além dessas reminescências, sobrou dessa história só a página amarela de um jornal velho com a história dos dois - e provavelemente uma ilha bem pequena de palitos de fósforo apagados, bem perdida sabe-se lá onde.)

May.8th-9th.2006

Lola and the loneliness

She liked to walk around through the empty streets in the night. At least, she knew she was really lonely. She would take dark alleyways and expect someone to show up suddenly, rape her and then kill her with a big knife. She could feel the wind piercing her skin, and her muscles, and her heart - and sometimes even going completely through her back. She was a virgin. Back to the main street, she would kick a little rock and expect it to fly over the seas and break a window somewhere in a strange country. She used to cross the streets just guided by the sounds, and even knowing there were no cars coming, expected to be hit by one with the lights off. She would feel her bones scaterring and her life escaping with her breath. Sometimes, she would stop and sit on a lonely bench and talk to some imaginary stranger about how the weather was strange theses days in middle february. And then an imaginary bus would come by and she would wave for the stranger going away. She used to go to the grocery store and buy two bowls of salad and two boxes of an expensive frozen meal. (She was so terribly lonely that she would eat her salad and then sit on the opposite chair and eat the second one. And start it over again with the meals. She liked spaguetti with meat balls.) She had a bedroom. And a bathroom, a kitchen and even a leaving room. A couch for two, two pillows, and even an extra pair of sandals. Two forks, two knives and four spoons - two for soup and two for tea. Kicking another rock, she would answer her cell phone and spend the next hour talking to someone that had not called her - and then smile to herself of some joke she just heard on the phone. Also, she would send emails to friends she didn't have and laugh out loud at work of the answers they'd give to her. She used to play dots with the neighbor that had never seen her. When it was Christmas, she would send cards to her family and invite them over - she used to send them to the orphanage address, because she didn't know her relatives' addresses. She was an orphan herself.
One day, coming back from work after sending some emails, she stopped at the post office to send some Christmas cards, had her salads and spaguettis and went out for a walk. After talking on the phone and waving to the stranger catching the bus, she took an alleyway, kicked a little rock and, smiling to herself, got hit by a bus on the main street she was crossing. And she had no I.D. and was buried as an indigent, the first corpse in the new cemetry.

Apr.25th.2006

7.3.07

Mae, os anjos tambem amam?

Suspiro fundo. Nao quero entrar nos mesmos cliches de sempre, mas nao parece mais tao facil escrever um best-seller. E hoje o dia foi tao bom. Hoje de manhan o ceu estava rosa choque, numa cor que eu nao sei se vinha do ceu ou dos meus olhos, que brilham mais do que deviam por esses dias. Antes desse amanhecer antes de eu dormir, a lua estava eclipsada, e foi lindo.
Eh, eu podia falar da lua cheia, da primeira boa lua cheia em quase um ano. Podia falar de como fiquei com medo que tudo fosse acabar aqui e agora - e na lua cheia. De como foram salgadas as lagrimas que eu provei quando eu senti o mundo escurecer e ensurdecer ao meu redor. Mas prefiro falar do eclipse da lua, de como eu te puxei pela mao pra ver aquele ultimo pedacinho mais brilhante antes dele ser encoberto. De como eu fiquei te fazendo carinho enquanto a gente olhava, enquanto a gente andava de costas pra poder ainda ver a lua.
Hoje o dia foi tao bom. Eu acordei com vc ainda encolhida do meu lado, como num sonho bom. (Serah que sonha comigo?). Acordei a tempo de te ver e te acordar com um beijo fazendo cocegas na tua orelha. Acho lindo quando vc me xinga com carinha de sono. E na verdade foi otimo as horas terem corrido tao preguicosas hoje, quase tao preguicosas quanto a gente. Quase tao preguicosas quanto a vontade q a gente nao tem de soltar as nossas maos pra nada. Eu gosto da sensacao confortavel da tua mao quente na minha, gosto de te fazer carinho em pensamento, soh de olhar nos teus olhos.
Hoje o dia foi tao bom, foi bom como um dia qualquer que nao eh qualquer soh porque a gente estava junto. Eu juntei uma flor no caminho de volta pra casa, enquanto vc olhava pra lua, mas nao tive coragem de te entregar. Voce me chamou de meu amor duas vezes hoje, e eu senti como se toda a luz dos meus olhos viesse de voce, minha estrela mais brilhante. E quando eu disse que te amava, quando achei q vc jah tava longe o suficiente pra nao ouvir o q eu nunca teria coragem de dizer sem enrubecer, vc ouviu e vc disse q tambem me amava.
Hoje o dia foi tao bom que eu fico pensando que nem acordei da marudgada pink que passei com vc antes. Eh um continuo espaco-temporal que alguem deve ter enrolado na fisica ou na quimica, mas que eu prefiro simplesmente sentir passando livremente pelo meu corpo. Como um conforto que vem do nada e vc diz q me abracou. Em geral eu tenho medo, muito medo, mas hoje vc me abracou e apertou a minha mao, e hoje voce me disse de novo que nao vai largar dela nunca - e hoje o dia foi tao bom!
Suspiro fundo. Que os cliches fiquem ou vao, eu jah nao me importo, parece tao facil quando voce estah aqui. E hoje o dia foi tao bom. O ceu estava escuro e vc disse que ficava aqui, e eu te abracei de conchinha, segurando tua mao na minha, e a gente adormeceu junto, com teu cheiro de baunilha de tapete magico pros nossos sonhos. Anjo caido, agradeco por voce ter caido bem do meu lado!

(pessoal e intransferivel) pro meu proprio anjo caido.
Mar.4th.2007

14.2.07

Traveling with Bus

Bus stop 3. The same old lady go in. She seemed specially slow today, though her sympathetic smile was the same. She took the front seat, as always, and got her headphones on. I wondered what she listened to, it is not everyday that you see a elderly person on new technologies as computers, digital cameras - or i-Pods.
I mean, I saw her everyday, taking the same bus at the same stop. I wondered, while she waved her head to the right and to the left according to her songs' rhythm, where did she go everyday. Rather, each day. On Mondays she would take off at the Stop 5; Tuesdays, stop 9; Wednesdays, 7; Thursdays, stop 5 again; Fridays and Sundays, stop 11. I never took the bus on Saturdays, and I am sure she didn't either, so I wondered what did she do. Maybe she had 4 boyfriends, all of them of different ages, each of them with a special feature, something the others didn't have and thus she had to date all of them.
Monday and Thursday's guy I imagined as old as herself, much taller than she was - nothing really difficult, in fact -, gray hair carefully combed backwards for her, a quiet smile and a flower in his hands; he was kind to her and really loved her, so they talked about lots of stuff, watched the sunset together and had tea and listened to the evening radio news program, old-fashion way; and around eight he would drive her home - for she never took the bus back on Mondays and Thursdays.
Tuesday's guy was a bit younger than she, his hair still carrying a bit of the earlier days' black, his face just starting to get old, his body not so strong as it used to be; he would kiss her warmly in the mouth as soon as he opened the door, tell her how much he had missed her and offer her some pancakes - 'cause I imagined him a newly-retired man, lazy and whose only pleasures were cooking, watching sports and having sex. After breakfast at 10.30 they would get in bed together, then have lunch with a drink afterwards, watch the 2 o'clock sports' news program, get in bed again, have a cigarette and a drink, dinner and dessert and then she would take the bus back home with a big, satisfied smile on her face - which is why I thought she had eaten loads od good stuff and had had sex a couple times.
Wednesday's guy was the youngest, probably in his middle thirties, rich, workaholic, but very romantic; his days off were always Wednesdays, so he would take her to a nice breakfast buffet, than to a expensive, tag shop, a nice restaurant followed by a movie, make love at his place, the she would cook for him, a coffee after dinner while they talked about silly day-by-day stuff and then she would take the bus home - I like to think he would offer to drive her home every time they met, but she wouldn't accept it because, she would say, she liked to feel the night breeze coming in through the bus window, and because, she would think, she didn't want the lovely Mondays and Thursdays guy to see her with someone else. I think she loved this guy, though he was much younger than her, 'cause she seemed peaceful and complete on Wednesdays' evenings.
Fridays and Sundays I believe she went to girlfriends' places to play poker, gossip and have a few drinks, 'cause she always came earlier (and so did I, for the café closed at 6pm on those days) and she always looked a bit tipsy and had a far-away look, almost as if she was - in her head - not at all in a bus, going home to her lovely dog.
She never missed the stop, and as soon as she stepped off the bus the little poodle would start barking. She would walk slowly to the gate, unlock it, get in and lock it again, fix the frontyard flowers at some point of the narrow path to the door, and again unlock it, get in, and lock it from the inside. All this, of course, I could only imagine, for she walked so slowly to the gate that the bus would be far away by the time she had locked it back.
On Saturdays I figured she stayed in bed until noon, waked up lazily and had a cup of tea with fine cookies while she waited for the cleaner to clap hands on the front door. She would let her in, give her a nice smile, ask about her kids and husband and than take off to the backyard, where under a huge oak tree she would read a book - with her i-Pod then playing some classical music -, and stay there till the sun started to go down. At this point, she knew the cleaner was almost done, so she would go back inside, take a few bills from a Greek vase she kept on the bureau opposite to her bed, give the money to the woman with a second smile, ask her if she could come again next Saturday (though she knew the answer for the question, she thought it was polite to always ask) and with a third smile wish her a good week. Once inside again she would order Italian food, have it with a glass of wine and go to bed early. I liked to think she didn't go out on Saturdays, because it's exactly the opposite of what younger people do - though I knew (or assumed) she had a young soul and enough disposition to have sex twice a week.
I think she was quite beautiful, mainly for her age. Fit, her blue eyes either matching a blue cashmere scarf or contrasting with a pure-wool, fashion cardigan. She didn't wear glasses, but I believed, since she had an i-Pod, she preferred contact lenses. She looked really fine, and I assumed her favorite scarf was the pale-green one, given to her by the young, rich economist, and which looked good with pretty much anything she decided to wear. The way she crossed her legs on the bus was very discrete, and when - every once in a while - she waved to someone on the street or getting on the bus, she also did it in a very composed way. She was a lady.
I wanted to sit next to her and ask a few questions, whether she had even been married, if she had kids, if she was always a housewife or had had a job before, what age were her parents when they died, what was her favorite color, if she preferred modern, wool blankets or those old one made of geese feather. But she always sat on the front seat, the "preferentially elderly" one, and I had plenty of other seats to take, thus having no excuse to be there when she got it (I caught the bus at stop 2). Besides, I already knew (or fancied) the answers for all my questions.
She was from a big city, middle-class family, well-educated. Her mom was a housewife and died right after she finished teaching school, which is why she never got to be a real teacher, and instead had to run her father's house. She was the youngest of three daughters, and though she was the prettiest one, for a tradition matter she was the last to get married, only a few months after her mom died. She never loved her husband, but she took her father's will. He, on his turn, got sick right after his wife died, quit working and moved to her youngest, newly-married daughter's house for almost a year, before his own death - he couldn't live without his wife. (I never got to know the name of this lady, so in my head I always called her "The Lady". Will the Lady miss the bus today?, I asked myself, right before the bus turned right and I could see her waving for it to stop. Will she stop by her preferred one today, instead of talking to her retired, old mariner?, I wondered; but she never did.) The Lady's father was a military himself, and he was about to retire when his wife died and he got sick. During the 11 months he lived in The Lady's place they talked a lot, and he told her a lot of stories of his time as a sailor, stories of the First World War and how the German went down, stories of how he dealt with the post-war technologies. She loved his stories and, since she didn't love her husband, she would spend her evenings, after she did the wash up, with her father in the Library, talking to him. When, on the last month of his life, he became delirious and then too weak to get off bed, she spent most of her days making him company, reading mariner's stories to him and, though he could not understand those things anymore, updating him about was going on in the world, things she had read on the papers or listened on the radio during dinner with her husband - a business man who grew in walth but never in soul. When The Times released a collection of miniature 1st W. War submarines and ships, she bought them all, built them and put them all over his side bed chest. When he died, she kept the miniatures in a shoes box and took them off only when her husband died, for he never liker the sea or anything related to it. One day he came home earlier, poured a dose of whiskey on a glass with ice and stared out the front window. She called him for dinner and he didn't come, so she sat next to him on her father's former chair and waited. He poured another drink, and another, and another. When he was too drunk to stand up and make his drink himself, he told her to do so. She did and he yield back at her. She expressed no reaction. He had three other drinks, the last one double, and fell asleep, never waking up again. The doctor said he had a heart attack so fulminating he didn't even wake up. She sold the house and moved near downtown, to the house right across bus stop 3.
The Lady had three kids, the youngest being about 40 and they all lived away from her. They haven't been over a long while - and I knew that by the quite bitter look in her eyes when she wore those cheap scarfs I sure were birthday gifts from her children. They were 3 daughters, and they all gave her scarfs, for she always wore scarfs, in the Summer and in the Winer. She loved them, but never missed them; she had been a good mother and was sure it was not her fault if they had decided not ever to visit her again. Her birthday was somewhere in the middle of March - 17th was my guess - and she only wore those scarfs for 2 weeks (though her kids would never know if she threw them away, she thought it was polite to wear something you were given as a gift, and so she did). After that time, she carefully folded them and placed them in the bottom drawer of her wardrobe, piling them every year. And then she would go back to her nice line or satin or cashmere scarfs, the blue ones her preferred boyfriend had given to her. Blue. Blue was The Lady's favorite colour - not because it matched her eyes, as I had first imagined, but because it was the Ocean's colour, I later figured. She loved the Sea, and I believe she would like to be cremated when she died and have her ashes thrown to the Sea - which is something I imagined her old mariner would have done with contained tears (for men don't cry) in his eyes, while giving her a pray and assuring his sad self she was going to heaven.
One day she missed the bus. It was Sunday. The next day, she missed it again. I worried about her, I thought she was sick and considered dropping by with some pie. Then I thought that she might have gotten married to her beloved one and been spending a week of honey-moon in a shore-city of Southern Italy - she always wanted to go to Italy, and her rich workaholic would surely be able to afford that. On Thursday I saw an old guy with a gray hair carefully combed backwards standing on the frontyard of a light-green house, just a bit past stop 5, and I assumed it was her old-talker missing her. Poor man, he ought never to know she wouldn't ever come back to him. Friday, Sunday, Monday and there he was again. The Thursday of the second week she was not taking the bus (and I now realized how long it took from stop 2 to stop 12, where I took off), I saw a dark-green ca parked in front of her house. Sure it's him, I thought, though I couldn't see him anywhere and couldn't explain how he would have gotten in since she was not home, being either in an Italian beach or in her now king-size bed in her new husband's place nearer downtown.
On Friday, I saw a "On Sale" sign on her yard. I was happy for her when, a week later, the sign was replaced by a "Sold" one - she now would probably go to Australia and marvel herself with the huge waves they had there, and that I saw once in the cover of a magazine; maybe she would go to France and buy thousands of blue-cashmere scarfs on a fine shop, after a coffee in some nice place.
I never saw her again, but years after that I saw a man in his late forties wearing a black suit on ad with a grave expression, looking without seeing, and I knew he was The Lady's second husband and she was dead. I took a train to the shore and dropped a lily for her on the Sea. I also dropped a tear and a pray and I assured my sad self she was in heaven - in some blue place of heaven above the Ocean, sat on a comfortable chair with her father next to her, pointing her beloved one and saying good things about him, with her father nodding gently, with a smile on the corner of his mouth.
On my way back home I bought myself a blue, cashmere scarf and never thought of her again.

Feb.13th.2007

13.2.07

There already

First time I glanced at you
I believe it was there already
The way you smile
The way you bite your lip
I caught your eyes
- in my eyes, deep
You looked away
I believe it was there already
The whole seduction game
You dancing with others
Me trying to look sexy
I caught your eyes again
The way you smile makes me feel alive
I believe it was there already
And I aint giving it up
The way you bite your lip
Since the first time I glanced at you

12th.Feb.2007

25.11.06

Of meetings (part II)

"hi..."
"hi..."
"..."
"..."
"..."
"..."
"..."
"well, I've made a whole speech for this moment, but I think I'd rather just kiss you..."
and that's how it all started.

Nov.25th.2006

23.11.06

Of meetings (part I)

"hm, someone gave your flowers, huh? I mean, flower."
"er, yes.. you know when people say 'who doesn't want to be given flowers'? well, i don't. but i think be given one flower is very sweet."
"i see... so, i guess someone knew about this thing of yours, right?'
"oh, no. actually, I am giving someone flowers.. flower"
"is it a boy or a girl?"
"er, a girl, actually.. you think she'll like it?"
"well, as you said, who doesn't want to be given flowers? or flower, whatever. why are you giving her flower for? is it an aniversary?"
"oh, no. I just thought that if I gave her a flower she would tell me her name..."
"sorry?.."
"well, there's this girl I always catch the bus with, and she is cute, she seems smart, dresses well.. and I want to ask her out, but I guessed I needed to know her name first..."
"and you think she'd go out with you?"
"if not, at least I get to know her name. and later on I might try to talk her into this thing of going out with me."
"I see...and when do you intend to give her the flower?"
"well.. i didn't figure that out yet.. when do you think it'd be a good time?"
"I guess now, 'cause I'm taking off at the next stop."
"alright. I mean.. I, I'm Brenda Blume."
"Catherine Silver, nice to meet you. Is Friday night ok for you?"
"should I pick you up at 8pm?"
"great. here is my card, give me a call and I'll give you my address. see you"
"bye bye! have a good day", and when she got off the bus, "YEEES!"

Nov.12th.2006

8.11.06

nanniland e interpretações

em nanniland se anda a pé, e bem devagar, por isso a estadia é sempre por tempo indeterminado. nanniland oferece todos os ingredientes para uma estadia confortável e agradável, mas é você quem vai utiliza-los da maneira que preferir (e isso inclui reparar o almoço, pois em nanniland o café da manhã vem pronto na cama). nanniland ainda não pode ser considerada grande, mas está em constante expansão, portanto é necessário ficar atento, mas não muito, pois o sistema de comunicação em nanniland é vasto/variado e eficiente e através de boletins frequentes você fica por dentro do que se passa e pode acompanhar tudo em tempo real. mas se mesmo assim você se perder em nannilad, não se preocupe, pois o lugar não é perigoso. os campos são planos e as estradas são retas. as florestas são um pouco tortuosas e as montanhas são íngremes, como deve ser, mas tudo é perfeitamente superável e transponível. o sol não é tão forte e sempre chove no fim da tarde. tem brisa o dia todo. as temperaturas são imprevisíveis e não se tem resgistro de terremotos ou furações, apenas abalos sísmicos em escala reduzidíssima e com frequência rara.

nanniland é um caminho sem volta. quando você chegar lá, tire os sapatos, pendure o casaco, pegue sua xícara de café e fique à vontade - mas não muito. só conhece nanniland quem consegue se perder por lá e superar o medo disso. em nanniland ficam os mais belos pôr-de-sol que se pode encontrar, mas é preciso primeiro encontrar onde o sol se põe. a lua vista de lá é algo indescritível - e, se por acaso alguém tentar descrevê-la, o feitiço se quebra e as noites voltam a ser como fora de lá. os antigos dizem que nanniland é mais longe do que se imagina. os jovens acreditam que às vezes chove bocejos em nanniland.
quem vai a nanniland nunca volta. e, se voltar, vai querer nanniland de volta.
nanniland é uma terra autocrata, livre, quase desorganizada - e, na coerente incoerência dessa terra, é um lugar muito bem governado, muito bem organizado, limitadamente ilimitado e ilimitadamente limitado. é um lugar lindo e que vale muito a pena conhecer. o visto é um pouco difícil de conseguir, mas uma vez que se consegue, a estadia permanente é possível.
os vôos para nanniland são diários, com saída à hora que você quiser, com embarque no portão da saudade, no aeroporto vinícius de moraes. a taxa de embarque é uma flor, uma lata de leite condensado e um pino - pro caso de se querer bater, coisa nunca se vai.
nanniland já foi cantada por elis regina, the cure e filipe speck, entre outros. notícia constante nos jornais ensonados nas madrugadas. o lugar é um poço de cultura - no qual muitas vezes você não quer ir tão fundo.
em nanniland se anda a pé, bem devagar e com brilho nos olhos.

Primeira parte por nanni
Nov.8th.2006

Caos no Céu

Aconteceu da noite pro dia. De repente, todas as vias do país estavam em perfeito estado, os ônibus todos fiscalizados e de acordo com os padrões, os carros não se envolviam mais em acidentes, os deficientes físicos tinham plenas condições de circular pelas ruas, as calçadas eram intropeçáveis.
Os portos também, de súbito, eram capazes de lidar com toda a demanda, os trabalhadores eram suficientes e bem pagos, não havia desastres ecológicos e também no mar os acidentes inexistiam.
Os trens não foram diferentes; mesmo poucos no país, os trens estavam tão perfeitos como nunca foram, trilhos em perfeitas condições, lotação no limite do razoável, horários para todas as gentes, preços acessíveis.
É claro que diante de tantos fatos estranhos - mas convenientemente perfeitos -, restou aos jornais falar sobre os inúmeros, irreparáveis, inconcebíveis problemas do tráfego aéreo brasileiro.
Não é nada contra o tráfego aéreo. Mas também não é como se o resto dos problemas do país tivesse desaparecido.
Eu me demito.
Nov.6th.2006

27.10.06

dos gostares

... é um gostar mais forte do que tudo que eu já senti antes, um gostar que parece perene. um gostar que às vezes é sereno, que se satisfaz com a lembrança do teu sorriso meigo, o aconchego do teu abraço, a segurança dos teus olhos, o carinho do teu beijo amigo, o doce do teu perfume. mas um gostar que é às vezes agitado, precisa do som do teu riso, do toque dos teus braços, do brilho intenso dos teus olhos, do gosto molhado da tua boca, do cheiro vivo e presente da tua pele.
é um gostar que às vezes se acanha, se encolhe nos meus olhos baixos, no meu morder de lábios, no meu torcer de mãos, no fungar do meu nariz.
às vezes esse gostar se inquieta e então meus olhos dançam em ti e ao teu redor, meus lábios se abrem e se fecham na dúvida, minhas mãos vão e voltam na ânsia e medo de te tocar, meu nariz pede e recusa o teu cheiro.
é um gostar estranho, mas às vezes é tão normal; às vezes é uma incógnita - e às vezes, a única certeza que eu tenho..
às vezes, um gostar esperançoso, que de se sentir perene e querer tanto ser feliz, acredita que tantas palavras em linhas tão tortas hão de um dia escrever certo.
por ilusão ou premonição, um gostar que às vezes se sente e se sabe compreendido - sem, ainda ou nunca, sê-lo.
é algo inexplicável esse gostar, que sem deixar de gostar, ainda assim alegra-se com a felicidade nos braços de outrem e angustia-se com a angústia de não os ter. é um gostar que, mais do que nunca, faz dilatar e contrair o peito, ao mesmo tempo, quando te vê e te abraça.. é um gostar que não mede esforços por ti e se esconde atrás de cortinas semi-transparentes quando se sente e se sabe por demais exposto.
é um gostar que faz poesia em prosa e proseia em versos, que não rima os sons e acaba por fazer música de sorrisos, gestos, cheiros, toques, sonhos, desejos, lembranças e mesmo desilusões.
é um gostar que gosta - e, por hora, nisso se basta, se alimenta, se reproduz - e, espera, há de disso um dia aliterar-se e morrer.
Sep.30th.2006

19.10.06

Cheiro de Naftalina

Atrás da fumaça do milésimo cigarro do dia, paro para mais uma tragada e por acaso me lembro de como odiava cigarro quando era criança. Era quase uma alergia, um tal de tosse-tosse de envergonhar qualquer mãe, por mais anti-tabagista que fosse.
Deixei o pensamento voar, correr livre pelas ruas asfaltadas onde jogávamos futebol entre um carro, outro e um vizinho mal-humorado que sempre ameaçava não devolver a bola da próxima vez. (Aliás, preciso entregar a do Ângelo, que já está no quintal lá de trás há mais de uma semana).
Cansado de correr, meu pensamento foi se deitar na rede da garagem e se espreguiçou preguiçosamente até as férias de verão; jogou bola na praia e, já mais descansado, correu atrás do guarda-sol até chegar na piscina do prédio de um dos muitos melhores amigos que tínhamos na infância. Deu um salto mortal e caiu em cheio no sofá da sala, com um pacote de bolacha recheada na mão e uma primeira gargalhada com um desenho animado daqueles tempos.
Pegou no sono e acordou numa rápida adolescência colegial, com a voz de um professor que recitava: "ah!, que saudades que tenho da minha infância querida, da aurora minha vida que os anos não trazem mais".
Dormiu pensando no cheiro do cabelo daquela garota linda da carteira da frente e acordou com o celular. Achou que era um amigo da faculdade chamando para a cervejinha-santa-de-todo-dia. Mas não era.
- Como é, Hedgard, o deadline já venceu, aquela crônica saiu ou não sai?
Apago o cigarro e penso que talvez eu devesse parar de fumar.
Aug.8th.2006

Do temp..!

Esses dias vim a reencontrar um amigo que não via há muitos anos. Andávamos em direções opostas, mas não o tinha visto, e quando olhei para o lado para atravessar a rua tomei um susto diante do sorriso dele, agradável como sempre fora. Amigo de infância, sabe, daqueles que brinca de boneca com você, acha aquela peça de Lego que faltava - ou esconde aquela outra do quebra-cabeças que te ocupou a tarde toda pra montar.
É engraçado ficar lembrando essas coisas de criança. Ele me falou dos últimos anos, falou durante quase todo o tempo em que andamos até o estacionamento. Me contou das pessoas que encontrara, dos lugares para onde fora - praticamente o mundo todo -, das coisas bonitas que vira, das coisas erradas que não fizera, falou do colégio, dos pais e dos avós, dos livros e dos discos, das casas e dos carros - e falou até de futebol, natação e ballet.
Já na porta do carro, me deu outro sorriso de criança e perguntou o "e você?" mais interessado que eu ouvira nos últimos 15 anos.
- Trabalhando, trabalhando, lendo um ou outro livro por aí - falei, sem ânimo e já desligando o alarme - sabe como é, parece que os dias estão cada vez mais curtos - destrancando a porta -, a gente parece que vive uma semana em uma vida.
Ele segurou a porta do carro e ficou esperando que eu falasse mais. Mas quando a gente mata a criança que vive dentro dos nossos olhos e brinca com os nossos sorrisos, não há muito mais a contar além do quanto se tem trabalhado, de como os preços subiram e de como este inverno está mais quente que o último - apesar de que nem tivemos tempo para notar ou recordar o frio ou o calor do último inverno.
Parecia que ele ia me perguntar por que eu estava triste, parecia que ia me dizer que tudo ia ficar bem. Parecia que ele ia tirar um chocolate do bolso, quebrá-lo ao meio e me dar a maior metade.
Mas aí ele desapareceu.
Parecia que me dissera tudo sobre o que o eu não sabia. Parecia que tivera repetido o que me dizia na infância: "as coisas importantes na vida são invisíveis aos olhos".
E meu amigo imaginário desapareceu. Deixou comigo a criança interior que eu há tempos deixara em coma numa UTI adulta demais para salvá-la.
E a lua naquela noite estava mais bonita do que eu me lembrava de ela ter estado nos últimos 15 anos...
Aug.8th.2006

Indústria Moveleira

Era uma vez uma mesa. A mesa se apaixonou pela cadeira da sala de jantar. Na sala de jantar havia seis cadeiras, muito parecidas entre si. Mas a mesa se apaixonou por aquela cadeira.
O problema com as cadeiras é que elas são feitas pra sentar. E as mesas, apesar de que às vezes também servem a esse propósito, são feitas para apoiar coisas sobre elas. É uma incompatibilidade, como em tudo no mundo há incompatibilidades. Mas o grande problema mesmo é que mesas e cadeiras, mutuamente, têm medo de se envolver, porque nunca se sabe qual vai ser a nova tendência da decoração de interiores que pode vir a separá-las. Por medo, medo puro e simples de serem felizes até um final não eterno, cadeiras e mesas evitam se envolver. (O mesmo comportamento também é, às vezes, observados entre os humanos, mas esses ao menos já ouviram Vinícius e sua eternidade até onde durar.)
Voltando à mesa que se apaixonou pela cadeira da sala de jantar, um dia aconteceu que tiveram a oportunidade de conviver mais tempo. Numa situação ligeiramente mórbida, após o falecimento da cadeira de rodinhas - que há muito sofria com a perda de suas rodinhas e o rangimento de suas engrenagens -, a cadeira da sala de jantar foi deslocada para a mesa e as duas acabaram se aproximando.
Num triste novembro, o 13° e a tendência dos ambientes rústicos levou à reposição das cadeiras metálicas da sala de jantar por cadeiras de carvalho, grossas e pesadas, e à adição à família fornituresca de uma nova cadeira de rodinhas, que mal sabia andar e cujo couro vermelho dava inveja às cortinas dos bordéis.
A nova cadeira e a mesa não se deram bem. A cadeira era altiva e espaçosa, uma presunção que não casava com o novo visual rústico do ambiente. A mesa se deprimiu. Sem o amor da sua vida e trabalhando com alguém de quem não gostava, deprimiu-se e tentou suicídio, jogando-se contra uma bola de futebol antiga que quicava acidentalmente por ali. Não conseguindo o intento, a mesa ficou ainda - e cada vez mais deprimida.
E eis porque nunca mais consegui sentar e escrever uma linha que prestasse.
Jul.25th.2006

Semanas Assim

Existem semanas em que a imprensa se sente sufocada e à beira de um ataque de nervos. O congresso está de recesso, os presidenciáveis estão se preparando para mais uma semana de campanha, a polícia não tem nada de interessante, o dólar não sobre e nem desce, as guerras do oriente médio não detonam bomba nenhuma e os grandes campeonatos nacionais já foram ou ainda estão por vir. Em semanas assim, os cronistas têm uma certa liberdade temática.
E aquela era uma "semana assim". Por coincidência, eu e um colega do Estadão escrevemos sobre o mesmo tema. Duas semanas antes, aliás, abordáramos o mesmo enfoque em textos sobre a Copa de 2014 no Brasil; por sorte, nos encontramos num café pouco antes do fechamento e achamos por bem tentarmos pontos diferente. Dessa vez, no entanto, o azar entrou em campo e os ombudsmans também. "Amigos, amigos; negócios à parte", escreveu o do meu jornal; "compartilhar a máquina de café, ainda vai; mas as pautas, pelo menos, podiam ser diferentes", comentou o do Estadão.
A verdade é que, em "semanas assim", até os cronistas têm falta de idéias.
Mas o leitor se pergunta sobre o que escrevemos. Pode parecer mentira, mas escrevemos justamente sobre coincidências. Ele, sobre a incrível coincidência de uma testemunha de acusação de um caso da época ter se suicidado - morte por asfixia, segundo o obituário - na mesma semana em que o acusado viajava de férias a Paris. Eu comentava sobre outra incrível coincidência, a da aprovação da lei que obrigava as lojas a terem extintores de incêndio quadrados - fabricados por somente uma empresa no país, de propriedade de 4 deputados federais e um senador.
Agora, é claro, o leitor se pergunta de onde vem esse falatório todo; todas essas notícias velhas na página deste jornal. É que outra coincidência me fez retornar ao tema.
Um amigo, aprovado para o doutorado, precisava de duas teses para concluir uma fase da pesquisa. Apenas duas, de uma biblioteca setorial com 399 volumes. Nas estantes, na mais perfeita ordem que uma biblioteca poderia estar, faltavam apenas dois volumes, emprestados há mais de um mês: o número 082 e o 091. Pode, de novo, parecer mentira, mas eram exatamente os volumes procurados.
Mas esta crônica não pretende apresentar nenhuma tese específica sobre o assunto. É apenas algo que intriga, todas essas coincidências. Eu e meu amigo do Estadão usamos de ironia para comentar as coincidências da época, mas o caso desta vez foi diferente. E, de fato, não sei o que pensar. Pense você, leitor, enquanto eu me preocupo com a crônica de amanhã - por que, está claro, esta é mais uma "semana assim".
Jul.14th.2006

Preparou, chutou, pra fora!

Quarenta e três minutos do segundo tempo das oitavas de final. Eliminatórias. Um a zero França. Os torcedores só pedem um gol brasileiro. O Brasil que tem na conta quatro finalizações, até esse momento. O torcedor não pede nem gol na prorrogação, mas quer a prorrogação. O torcedor quer mesmo os pênaltis. Se for pra pênalti o Brasil com certeza há de vencer, como diz a lenda - a mesma lenda que, mesmo com o péssimo futebol da seleção nos jogos anteriores, ainda fez da equipe uma das favoritas. E o torcedor quer os pênaltis. Quarenta e três minutos do segundo tempo e é falta dentro da área. Falta dentro da área é pênalti! Preparou Ronaldinho Gaúcho, chutou, pra fora!. Tudo que o torcedor queria era um pênalti e o pênalti foi pra fora.
Pois que antes do início da Copa, quando a mídia já havia esquecido de todo o resto do mundo e só se preocupava com o mundial, estávamos no Bar dos Treze eu e dois amigos, um dono de confecção infantil e um vendedor de loja de departamentos. Meu amigo vendedor, entre um gole e o outro, tentava convencer o empresário de que investir em roupas verde e amarelo e com estampas do Brasil podia não ser tão lucrativo quanto parecia. No campo adversário, o empreendedor falava em sair da defensiva, preparar uma tática de ataque, falava do esquema em triângulo - bom, bonito e barato - e, a certa altura do campeonato, não se sabia mais se falavam de futebol ou negócios.
O negócio é que, depois de muito bate-boca, fui convocado a sair do banco de reservas e entrar na conversa. Tentei driblar a idéia mas não consegui finalizar a jogada. Então entrei de chuteira.
- Não acredito nem mesmo que o Brasil vai se classificar pras oitavas de final.
Tomei cartão amarelo. Dos dois. Quisera eu ter juntado ambos, somado um vermelho e sido expulso da conversa. Não gosto de futebol e não entendo muito de negócios.
Meu amigo empresário, no entanto, não parecia cansado e, depois de dois minutos para acréscimo de mais cerveja ao seu copo, sinalizou um "mais uma!" pro garçom e entrou em campo para o segundo tempo da conversa. Explicou que a empresa ia mal, que a concorrência estava jogando melhor e que ele estava pra ser eliminado do mundo dos negócios. Mas seus cálculos davam conta de que, se o Brasil chegasse até as finais, as vendas deveriam subir cerca de 30% e, com o saldo extra, meu amigo empresário poderia quitar algumas dívidas e se recuperar no campeonato.
Isso tudo se o Brasil chegasse até as finais. Meu amigo vendedor, que há tempos andava meio calado, só na zaga, esperando pra tirar de cabeça, resolveu se manifestar e disse apenas que, quer o Brasil chegasse ou quer não, não acreditava que o lucro esperado ia ser capaz de recuperar a posse da bola.
- Pra mim, é chutar pra escanteio o bom senso. É só uma Copa, é só um mês, as pessoas continuam sem dinheiro.
Mas não deu jeito. O empresário era cabeça dura e resolveu manter a escalação até o fim do jogo. O aumento das vendas na Copa era seu pênalti aos 43 do segundo tempo das eliminatórias, e ele chutou pra fora. O Brasil voltou mais cedo pra casa, e o empresário aposentou as chuteiras, foi ser jardineiro de uma família rica e nunca mais assistiu futebol.
Jul.12th.2006

Menos uma de amor

Não bastassem as capas dos jornais com suas clássicas e exaustivas manchetes sobre vendas no dia dos namorados, ainda há aqueles que se propõem a escrever sobre o tema. Acredito que é sempre uma idéia ruim, mas não tenho idéia melhor. Pra piorar, aprofundo o lugar-comum e falo sobre o dia dos namorados dos sem-namorados. Só porque faço parte do grupo, e um sem-namorado no dias dos namorados quer mesmo estar centrado no próprio umbigo, fingindo estar feliz com ele.
Meu umbigo, aliás, seria um bom namorado. Meu umbigo não precisaria de jantar caro mas saberia aproveitar um banho quente com sais relaxantes. Meu umbigo não reclamaria de eu olhar pra outros umbigos - afinal, quem não gosta de olhar outros umbigos? - e na verdade ele ficaria até bem feliz de ter algum outro umbigo junto a si. Meu umbigo nasceu no mesmo dia que eu e não esqueceria meu aniversário - nem ficaria chateado se eu esquecesse o dele, porque com certeza não faltariam cervejas para comemorar. (Meu umbigo também não reclamaria das minhas dores de cabeça nem dos meus ataques de hiper-libido, imagino).
Pena que não namoro o meu umbigo. Infelizmente, ele não sabe beijar, não faz idéia de onde fica o ponto G, não diz coisas românticas ao pé do ouvido (!) e nem mesmo me liga pra tomar uma cerveja.
Mas eu falava do dia dos namorados para os sem-namorados. Existem três tipos de sem-namorados. Os que não têm, não querem ter e juram que nunca terão; os que não têm mas dariam tudo pra ter; e os que não tem e nem mesmo lembram quando é o tal do dia. Você vai encontrar todos eles numa mesa de bar, na noite do dia D, rindo e se divertindo e discordando sobre namoros. Afinal, dia dos namorados é quase metalingüístico, e a discussão sobre o dia sempre cai na roda. E depois de muitas voltas, se perde numa curva entre um brinde e o próximo copo.
Os sem-namorados sempre acham que estão se divertindo mais que os com-namorados. E vice-versa. (Apesar de que os primeiros não fariam oposição alguma a um pouco de sexo, enquanto os segundos prefeririam uma cerveja àquele jantar caro, digo, romântico.) De fato, o causo todo pouco importa. Gastam-se palavras nesse ano, vãs palavras contra a manhã. E amanhã elas serão postas de canto, vão embrulhar peixes frescos, e só serão recicladas no próximo junho, quando acabarem as férias de Santo Antônio e, justo na véspera de seu dia, alguém ter a desinteressante idéia de fazer outra a crônica a respeito.
Desculpem se não concluo o raciocínio, mas ainda é preciso achar uma loja aberta e encontrar alguém que saiba dar um nó de gravata decente, porque eu, entre uma palavra e outra, acabei por me enforcar. O leitor se pergunta agora se leu errado quando eu disse que fazia parte do grupo dos sem-namorados – é que existe aquele tipo de com-namorados que faz questão de se dizer sem-namorados. A coisa toda ainda é uma incógnita taxonômica, mas infelizmente eu preciso mesmo ir.
Feliz dia dos namorados.
Jun.29th.2006

C'est l'amour

O mais interessante sobre o dia dos namorados é o dia seguinte. Dizem os jornais: "vendas crescem 20% em junho", "Celulares foram os preferidos pelos casais", e assim por diante. Todo ano as mesmas matérias, os mesmo índices, as mesmas fontes, as mesmas pautas. (Talvez, então, seja o mais desinteressante sobre o dia dos namorados o dia seguinte.) Mas não falemos do amanhã, porque isso é uma crônica sobre o hoje, sobre o Dia dos Namorados.
Entre sexo, paixão, sentimentos, jantares românticos, presentes, comércio e as cervejas dos sem-namorados, fiquemos com todos. Ficamos com Antônio e Lena - Madalena, para o leitor que não é íntimo. Madalena é classe média e não acredita em relacionamentos. Antônio trabalha 14 horas por dia, gosta dos filmes de Godard e cerveja sexta-feira à noite é religião. E eis que nesse ano o dia dos namorados era uma sexta-feira.
Encontraremos Antônio de sapato lustrado e calça social, de copo na mão e sorriso despreocupado. Ele não tem namorada e espera sua vez para jogar sinuca com o amigo já meio alegre três cervejas depois.
Encontraremos Madalena virando a esquina da Rua Augusta com a Avenida Paulista, acendendo um Marlboro vermelho e pensando sobre pílulas abortivas para casos de gravidez psicológica. Mas ela não está gravida, é apenas o efeito da sexta-feira fim de tarde que amorna o vento já meio gelado de junho. Madalena encontra uma amiga ao acaso e elas resolvem parar no bar mais próximo para uma cerveja.
Ora, vamos, é dia dos namorados e é claro que Madalena e Antônio tropeçarão no mesmo lugar esfumaçado e barulhento. E, por ser dia dos namorados, pulemos a parte de história em que Antônio e Madalena discutem sobre quem deve usar a mesa de sinuca primeiro. Pulemos a parte dos palavrões, da garotinha mimada e do engravatado pedante. Vamos direto para a parte em que os dois, com seus amigos acessórios, decidem jogar juntos - e ignoremos o clichê da guerra dos sexos aqui implícita. (Só para não tornar a história desagradável, ignoremos também as cantadas esdrúxulas que o amigo passou na amiga e as duas derrotas dos sujeitos meio bêbados para as duas garotas com já duas cervejas na primeira meia hora de conta.) Vamos logo para o momento em que o dia dos namorados vem à tona na conversa e, numa brincadeira, Lena e Antônio decidem namorar.
O comércio, é claro, tem horário especial para os esquecidos de última hora, e nada melhor que trocar presentes para entrar no clima - já que ainda são oito horas e, por enquanto, fica impróprio chegar na parte do sexo. Lena escolhe uma gravata azul-escuro com três listras azul-bebê, enquanto discute com a amiga (que até chegarmos na parte do jantar romântico não pode ir pra casa) sobre o que seria do mundo se não fosse a brilhante invenção do cadarço de tênis. Antônio acaba com a terceira cigarreira que vê, por pura falta de paciência com o amigo, que tenta desesperada e embriagadamente fechar o zíper da calça.
Lena se faz de agradecida pela cigarreira - apesar de já ter 4 em casa. Antônio finge não ter outras três gravatas iguais no armário e diz que adora azul - apesar de odiar a cor, que sempre o faz lembrar de um traumático conto lido na adolescência.
São quase nove e é hora de disputar com outros 5 casais (de verdade) uma mesa num restaurante a uma quadra dali. Os amigos acessórios a essa altura já estão (ele) no caminho de volta pro bar e (ela) comprando um chocolate na banda de jornal na entrada do metrô. Digamos que Antônio e Lena dividiram um prato de spaguetti e deram o primeiro beijo - que havia, por acaso, sido esquecido.
Pra não dizer que não falamos de sentimentos, a primeira discussão de relacionamento do casal vem na hora de pagar a conta. Em um ímpeto machista, Lena não quer pagar nada; num caso de pura conveniência, Antônio vira feminista e que dividir o valor. O fim dessa parte da história na verdade pouco nos importa, pois já são dez e seis e as crianças já fora para a cama - coisa que, é claro, esperamos que nossos personagens não demorem a fazer.
Algumas pessoas diferenciam amor de paixão afirmando que esta última é baseada em tesão. Não temos intenção poética alguma aqui, mas é dia dos namorados e essa hipótese nos parece levar a um final feliz - afinal, redundante, é dia dos namorados. Se o carro de Antônio não estivesse no mecânico, nossa história poderia levar Lena ao não mobiliado e recém alugado apartamento de Antônio. Para azar dele, no entanto, nossa história nos leva ao tapete azul-bebê do quarto de Lena.
Desnecessário continuar a história. Mas, já que o leitor parece tão curioso, basta dizer que a história não continua. Depois do sexo - e do sexo, e de mais sete "e do sexo" -, Antônio reabotou a camisa e Lena ascendeu outro cigarro. E os dois nunca mais se falaram. Ainda curioso, o leitor há de perguntar o que essa história toda tem a ver com dia dos namorados. De fato, muito pouco - mas isso só significa que, pelos por uns oito minutos, o assunto "dia dos namorados" foi muito pouco lembrado.
Feliz dia dos namorados.
Jun.28th.2006

28.8.06

Das estações

"Você é a pessoa certa, mas chegou na hora e no lugar errados e eu não posso - nem devo te pedir pra me esperar. Vai, vive a tua vida, eu vou viver a minha e quem sabe a gente ainda se cruza em algum lugar no futuro."
E eu vaguei por lugares incertos, corri o mundo e nunca cheguei a encontrar a hora certa.
A vida deu voltas, mas ela nunca mais voltou.
nov.4th.2005

11.7.06

não espere que eu negue que me apaixonei

pense numa fruta.
pense numa cor.
pense numa música.
pense numa flor.

sinta a cor entre os seus dentes
e passe a música pelo seu rosto,
ouça a flor aos seus ouvidos
e passe a fruta entre os seus poros.

sinestesia é paixão,
e a paixão é onírica
- sonho com você desde o dia em que te vi.

por isso não pretenda que eu pretenda
que não morro cada vez que você sorri.
não espere que eu negue que me apaixonei.
Jul.2nd.2006

3.7.06

Soneto do romântico desassumido

um romântico desassumido
vêm à tona em horas assim.
incauto e pego desprevenido
tenta se esconder se si.

esconda-se atrás de um cigarro
de um copo de cerveja, talvez;
desconverse, dê um pigarro;
sinto, amigo, chegou a sua vez.

não tente disfarçar esse brilho,
esse seu sorriso pueril,
esse torcer de mãos convulsivo.

não se envergonhe, não há motivo;
não se controle, não há saída.
- deixe de bobeira e vá viver a sua vida!
Jul.2nd.2006

16.5.06

Inspiração

Uma folha em branco seria sempre uma folha em branco se não fossem as musas. E seus sorrisos e risos, e seus olhos brilhosos, e seus corpos formosos, e suas línguas escusas.
A razão de existir de uma folha em branco é nula. A razão de existir de uma folha com sentimentos rabiscados é eterna. É claro que a eternidade é efêmera, mas não há necessidade de que seja mais do que isso, tão efêmera é a própria vida em si.
E ninguém sentiria falta de uma folha em branco, arremessada sem piedade numa cesta de lixo. Uma folha transbordando de emoções, no entanto, resistiria bravamente à pressão dos dedos e é possível até que chorasse e desafiasse a física para não ser posta de lado - com persuasividade invejável, é muito possível até que convencesse a ser trazida de volta à escrivaninha para ser desamassada e restaurada.
Uma folha em branco reflete a luz. Uma folha coberta de grafite ou titna de caneta reflete a alma. Uma folha em branco pode até significar paz. Uma folha guardando linhas trêmulas pode ter trazido a paz. (Ah, se em todos os casos isso fosse suficiente para levar à paz.)
Uma folha em branco seria sempre uma folha em branco se a vida fosse um livro em branco - de capa branca costurada com linha branca. Mas à luz dos teus olhos o mundo toma forma e cor - e se eu fosse fazer disso poesia rimada, minha rima.
09.Mai.2006